Crónicas no jornal «barlavento»
Pode
o rio Arade ser um deserto que doa a alma?
(publicada em 30 de Março de
2006)
A minha primeira ideia do Arade
era a do rio que desaguava nas pedras, lá para a ponta da areia na Praia da
Rocha. Ali em frente de Ferragudo, terra de lamas, de fábricas e de um convento
secreto.
Mais tarde comecei a perceber que
o rio Arade não nascia ali, ao pé da minha casa. Vinha de longe, provavelmente
de muito longe, pois de vez em quando trazia as laranjas de uma terra distante,
que eu não conhecia, mas saboreava, depois de as limpar da terra argilosa que
deixava esculturas de barro nos dedos. Comecei a perceber que, aquele rio
pardacento que refrescava o meu corpo nos verões de Portimão, vinha das
serranias abruptas do Algarve, mas deveria ser adocicado por culturas tão
antigas quanto belas nalguma cidade da moirama.
Na escola fui entendendo melhor,
até que ela mesmo me transporta para Silves, para conhecer as cadeiras da
secção preparatória que me retornaria ao liceu da minha terra. De longe,
preferi aos bancos da escola os humores do rio. Todos os dias o atravessava –
na ponte medieval que os saudosos românticos arabizavam – cheirando o perfume
das laranjeiras de pés molhados enterrados no leito do rio, na quinta do
mata-mouros, pois então. Habituei-me a roubar laranjas nos paralelos das
margens do rio, que naquela altura não podia atravessar a vau, só de barco.
Muitas vezes olhava e ajudava na pesca da eiró, pendurada nos pandulhos de rede
ensardinhada que os velhos pescadores – operários corticeiros de outrora – dependuravam
no cais do rio entre a dita ponte e a paragem da camioneta da estação.
Com esta brincadeira fiquei dois
anos em Silves e se escolhi jogar futebol no Silves Futebol Clube foi também
por culpa do rio. Nos treinos sentia o cheiro das águas, as mesmas que corriam
até à minha casa e que me encontravam no dia seguinte, de manhã, quando rumava
de novo à cidade. Os meus passeios não ignoravam as ladeiras de calcário ou os
pós de grés do castelo, mas os meus passos, inelutavelmente, desciam para aquelas
águas curiosas e secretas.
Muito, muito mais tarde desci o
rio, de canoa. Foi ele que me levou rio abaixo até às velhas fontes de
Estômbar. E no dia seguinte me transportou rio acima até à cidade de Silves.
Depois, passei debaixo da ponte e terminei no pego fundo, onde em tempos idos
tinha mergulhado de cima duma velha nogueira marginal. Para lá dela a canoa não
passava: um reles fio de água, silvas, lodos.
É o que o rio Arade é hoje em
dia: um reles fio de água, silvas, lodos, porcaria. Matar o Arade é matar a
cultura árabe. Exagero? Sem o Arade o que cantariam os poetas de Silves? Não
foi o deserto que os encantou! O deserto é o destino dos desterros de Silves,
terra do rio e das águas santas que nunca se esquecem.
Pode o rio Arade ser um deserto
que doa a alma?
Bernardo de Passos, poeta da
bandeira e da alimentação saudável
(publicada em 9 de Março de 2006)
É um facto que os poetas
portugueses estão esquecidos. Explicando, tirando Pedro Mexia, que aparece em
tudo o que são jornais, editoras, blogs e colóquios, quem se lembra dos outros?
Na verdade só quando fenecem e o coro do país entristece-se.
Mas se há dias poéticos, hoje foi
um deles. E tudo por causa de um poeta algarvio, de S. Brás de Alportel,
Bernardo de Passos. Não sei se direi que o poeta é de S. Brás natural! Parece
que o governo quer acabar com as freguesias que correspondem a concelhos; e
nesse caso...
Bom, mas vamos ao que interessa.
Antes de separar a “Notícias de Sábado” - revista do DN do dia - para o
contentor do ecoponto, entretenho-me a recortar uma ou outra crónica para
leituras dos meus alunos. E lá aproveito para ler a crónica do Francisco José
Viegas sobre restauração. Mas eis que dou com uma pequena notícia no fundo da
página sobre o ensino do estômago. Leram bem! Trata-se de um projecto do
Gabinete de Nutrição do Centro Regional de Saúde Pública que avalia a qualidade
da alimentação nas escolas públicas. O que interessa aqui, e que tem a ver com
o poeta de «Ecos da Serra», é que é justamente a Escola do Poeta Bernardo de
Passos, de S. Brás de Alportel, que merece a distinção do Diário de Notícias. Tudo porque a cozinheira da Escola promove o
peixe grelhado, o arrozinho de polvo e – manjar dos deuses – a massada de
tamboril. Da sopa já eu tinha ouvido falar, muito e bem. De parabéns está a D.
Maria Otília Neto e o poeta Bernardo de Passos, um bom garfo neste caso.
Mas esta história cruza-se com
outra. Deram pelos novos equipamentos da selecção de futebol para o mundial
2006? Camisolas marrons e calçanitos verde tropa?! E equipamento alternativo
preto? Não é que eu me perca de amores pela bandeira verde-rubra, cheia da
coloração dos países pós-coloniais e já gasta de tantos anos de dinastias
republicanas. O caso que me trouxe aqui, é que o poeta Bernardo de Passos
também foi um defensor acerado desta bandeira, no seu tempo de arrojo
patriótico. E esgaravatando nas simbologias da república encontro-o a versejar
assim:
[...] Ela é tão nossa já, a
guiar-nos os passos...
De tal forma diz Pátria, essa
bandeira bela,
Que ou esta Pátria vive
erguendo-a bem nos braços
Ou esta Pátria morre amortalhada nela! *
Ou esta Pátria morre amortalhada nela! *
Vejam lá se a bandeira também não nos alimenta, de forma
saudável?
*esta quadra devo-a ao trabalho de Teixeira, N.S. (1991). A Memória da Nação
A
Feira da Microsoft
(publicada em 9 de Fevereiro de
2006)
Estou a escrever este texto num
processador de texto Word, do Office da Microsoft. Também estou ligado à rede
através de um telefone fixo, da PT, que tive de instalar para usufruir do
acesso ADSL do Sapo. Nada mais simples. Só que a simplicidade é enganadora. É
que talvez não seja tão simples assim. Talvez eu pudesse usar outro programa de
processamento, outra ligação telefónica, outro acesso à rede!? O problema não
está na falta de concorrência. O problema, simplesmente, decorre da visão
tecnocrática do estado de impor a sua lógica de mercado aos cidadãos. E essa
lógica, para não desmerecer, é a lógica do seu negócio. De um negócio
centralizador e autárcico, que privilegia as suas empresas e os seus
ex-governantes.
Perceba-se a feira da Microsoft
nesta lógica. Cinco ministros de peso assinam os acordos. Mil pessoas vão ser
formadas pela empresa de Gates. Este mete ao ombro a Ordem do Infante. Mas isto
são ninharias de publicidade, comparado com o fecho da coisa.
Bill Gates em entrevista a Judite
de Sousa na RTP1: 30 minutos de publicidade à Microsoft, à hora do jantar.
Percebendo as deixas, o homem não perdeu uma única oportunidade para levar
todas as respostas para a panaceia das crises do mundo: a tecnologia
informática e a sua multinacional. Na ajuda aos pobres do mundo, claro. Ora com
a Fundação, ora com a empresa. Mas foi Judite de Sousa que lhe estendeu o
tapete vermelho. Que organizou uma conferência de imprensa para Bill Gates
explicar a sua relação empresarial com o governo de Sócrates. Excelente serviço
público da TV do Estado. Para encerrar a feira em beleza.
A Capital, resgata ou afunda?
(publicada em 19 de Janeiro de
2006)
Sim, a Capital da Cultura acabou
em Faro. E eu que estou tão farto de bater no céguinho, ganho um apetite voraz
pela coisa.
O pão e o circo levantaram alas,
e agora muita gente faz balanços e contas: quantos espectáculos e espectadores,
qual a média por concerto, quais os perfis e as motivações. Já agora, quantos
almoços servidos, quantas senhas de gasolina pagas, quantos sacos de cimento
gastos no Teatro Municipal, quantas horas de espera, quantos programas
impressos?
Tudo isto serviu para resgatar o
Algarve da marginalidade cultural, comissário dixit. Eu rio-me! Eu prefiro continuar marginal. Digam lá se não é
melhor ser marginal, em Alcoutim, em Loulé, em Cachopo, em Pechão, vivendo o
quotidiano entre quadros de Miró, palavras de Pessoa, músicas de Vivaldi?
Pois, pois, os algarvios são
agora a fina flor dos novos públicos da cultura, uma espécie de consumidores
culturais de élite, aqueles que enchem teatros e cinemas, bibliotecas e
conservatórios. Uma espécie de arruaceiros da bola (mas bem comportados) que se
sentam a ver e ouvir os produtores de cultura e no fim da festa descortinam
prazeres e consequências estéticas. Mas, trôpegos e falhos regressam logo ao
ramerrão da sua vivência: novelas, concursos e futebol, à espera do próximo
evento de resgate.
Para seu bem têm, a bater-lhes à
porta, os velhos amigos (os agentes culturais esquecidos) que dia-a-dia vão
construindo peças de teatro, fazendo o ensino da música, lendo e editando
poesia, contando histórias e contos, ensaiando músicas e cantos, discutindo
filmes. Esses amigos estão cá sempre, presentes em vãos de escada, em casas
caídas, em praças e jardins, todo o ano, todos os anos. Em 2005, estiveram cá,
apesar de se ter falado pouco deles, na Capital. E depois dela, eles vão
continuar a fazer os seus trabalhos de Hércules: levar a palavra ao Algarve.
Esses, os amigos, resgatam verdadeiramente. A Capital afunda!
A ética dos jornalistas e a
democracia
(publicada em 12 de Janeiro de
2006)
Anda uma pessoa a ensinar aos
alunos que qualquer trabalho de investigação, de cariz académico, deve
respeitar as suas fontes de forma ética e depois dá com isto: um tribunal condena um jornalista de investigação
a 11 meses de prisão por se recusar a revelar uma das suas fontes (só porque a
investigação respeita a drogas e os responsáveis policiais nada investigaram).
A ética, na investigação, manda
aceitar um informante (prefiro esta expressão ao invés de informador que me
lembra os esbirros bufos da Pide, no tempo do fascismo) com respeito sobre a
salvaguarda da sua identidade, da ressalva da sua idoneidade social, com a
confidencialidade relativa às suas informações e narrativas, e com o anonimato
de protecção que se lhe reconhece. Só isso permite a um informante, em
contrapartida, aceitar ser um sujeito pertinente em qualquer investigação, que
sem ele não se fará.
Pelos vistos o tribunal nada
entende disto e apenas olha o lado jurídico do problema. A partir daqui não há
qualquer investigação que este jornalista possa fazer, sujeito a qualquer
denúncia das do tipo que enviavam inocentes e cidadãos responsáveis para os
calabouços da polícia fascista do estado novo. Talvez se pudesse propor uma
cadeira de ética de investigação para os nossos futuros juízes. Os que oficiam,
esses, poderiam fazer um curso de reciclagem, com os nossos jovens alunos que
sabem muito do dever de respeitar as suas fontes.
Mas o que se disse atrás --
lembrando o caso do jornalista do Expresso
Manso Preto, que viria mais tarde a ser
absolvido -- seria apenas uma história
passada se o mesmo não se tivesse a passar de novo. Desta vez perante os nossos
olhos de algarvios embevecidos com a Capital da Cultura. É que a jornalista do Diário de Notícias no Algarve, Paula
Martinheira, foi constituída arguida de um processo por desobediência ao
tribunal, após se ter recusado a revelar as fontes de informação de uma notícia
publicada em Abril de 2003.
No barlavento, de 5 de
Janeiro, Elisabete Rodrigues apela ao “Direito de saber”, um direito de
informação de que todos os cidadãos usufruem de acordo com a Constituição. E
esse direito de saber é quase sempre edificado e suportado pelas informações
anónimas, graciosas e responsáveis de muitas fontes confidenciais, que o
jornalista tem o dever de respeitar no seu processo de construção da notícia.
Trata-se de um dever ético e deontológico de qualquer jornalista. Um dever que
os tribunais têm que começar a perceber. Um dever que também preserva e
consolida a democracia.
Casimiro
de Brito, poeta do pleno e do vazio?
(publicada em 24 de Novembro de
2005)
Em Loulé, realizou-se (18 de Novembro passado) uma
Conferência sobre Casimiro de Brito, no âmbito de Faro, Capital Nacional da Cultura 2005. Álvaro Manuel Machado,
conferencista convidado, traçou um excelente perfil da obra poética e literária
do poeta, em torno da ideia central de pleno e de vazio, que considera
serem as marcas filosóficas de Casimiro. Aproveitei essa deixa, no final da
conferência, para metaforicamente sublinhar o contraste entre a vasta e
qualitativa obra do poeta e o número de pessoas na sala (seis ouvintes e mais
três pessoas da organização).
Casimiro, sendo louletano, não é conhecido em Loulé. Ou
melhor, é conhecido por uma minoria pouco significativa de gente ligada à
cultura. Aliás, entre a terra e ele há ainda muita coisa por esclarecer. E, notoriamente,
estamos perante um fenómeno de rejeição recíproca, muito mais por obra da terra
do que pela obra do poeta. Digo eu. Sobre este assunto, aliás, já tive
oportunidade de o referir e escrever bastas vezes. É o poeta que nos esclarece,
quando a certa altura num poema refere:
(...)
e eu um louletano com milhões de sonhos
tão longe e tão perto na escala do tempo
Loulé minha terra natal
tão longe e tão perto de mim
como és grande e pequena Loulé assim.
Perceberá o leitor, se for procurar os muitos livros
editados de Casimiro, nas livrarias (ou na única livraria com esse nome) da
cidade ou pesquisar o seu nome na Biblioteca Municipal Sophia de Melo Breyner
Andresen, em Loulé. No primeiro caso nada se encontra. No segundo não sei se já
está disponível ao leitor alguma obra. Há um ano atrás nada estava.
Por ter sido desde sempre aceite e acolhido em Faro, o
poeta assume um relacionamento mais directo com a capital, onde os seus livros
se encontram nas prateleiras de poesia da Biblioteca Municipal António Ramos
Rosa, poeta farense e seu companheiro de lides poéticas. O próprio Casimiro de
Brito dirigiu colecções de poesia em Faro, nos anos 60 e mais recentemente nos
anos 90 (desta vez a convite da Câmara de Faro, no âmbito da promoção da
biblioteca local).
Mas a conferência teve outro dado esperado. Álvaro M.
Machado assentou o ponto de partida poética do autor no movimento da Poesia
61, em Faro (anos 60), em torno dos célebres «Cadernos do Meio Dia».
Percebe-se que se mantem, ainda, muito pouco conhecida, portanto, a experiência
de Casimiro de Brito em Loulé. Foi na sua terra natal que, em 1956, lançou a
página literária “Prisma de Cristal” na Voz de Loulé, em torno da qual se juntaram Ramos Rosa, Gastão
Cruz, Maria Rosa Colaço e muitos outros.
Entre 1956 e 1959 Casimiro de Brito deu corpo ao chamado Movimento Prisma, publicando textos e
poemas de Afonso Cautela, Eduardo Olímpio, Emiliano da Costa, Vicente Campinas,
poetas africanos, brasileiros e espanhóis, para além dos nomes referidos atrás.
E foi no seio desta experiência pioneira e primacial que Casimiro de Brito
escreveu e publicou também os seus primeiros poemas: 12 poemas em nove números
do Prisma, para além de duas quadras
premiadas em Jogos Florais, estas assinadas como Cavaco Correia – os seus dois outros
nomes. Este período foi, ainda, fértil no lançamento de vários cadernos de
poesia, como o «Encontro», o «Convívio» e o «Caderno Zero». No corolário deste
processo de construção poética Casimiro de Brito publica o seu primeiro livro,
em 1958, «Poemas da Solidão Imperfeita», com poemas escritos entre 1955 e 1958.
No próximo ano, 2006, passam 50 anos do aparecimento do
“Prisma de Cristal”. Tempo para encontrar formas de comemorar condignamente o
evento. Casimiro de Brito merece-o. E Loulé tem essa dívida!
Golfes e casas ilegais na ria
formosa:uma crise de civilização no Algarve
(publicada em 1 de Setembro de 2005)
Não vos tinha dito que a
propalada crise do turismo no Algarve é uma panaceia para um muro de
lamentações e pedinchices dos principais interessados: os empresários do
turismo e os autarcas responsáveis pela crescente betonização do litoral? Claro
que, agora, a conivência de governantes faz parte deste cartel.
Desabafo a propósito de mais um
campo de golfe que se anuncia, desta vez para os terrenos cobiçados e
classificados do Ludo, ali entre a Praia de Faro e a Quinta do Lago. Ali mesmo
a dois passos da casa da vice-presidente da Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento Regional do Algarve, o que é apenas coincidência. Uma dupla
coincidência. Primeiro porque Valentina Calisto foi durante muito tempo a
responsável pela gestão do Ambiente no Algarve e segundo porque a área em causa
é classificada por várias normas e directivas. Até está integrada num Parque
Natural, veja-se só. Mas como o ICN (Instituto de Conservação da Natureza) não
é mais do que um verbo de encher, ou melhor, um verbo vazio de orçamento, de
técnicos, de fiscalização ou de outro qualquer sinal de vida, o campo de golfe
tem muitas probabilidades de se estender. Sinal de que a seca, os incêndios, a
constante salinização das águas, a defesa da fauna selvagem, os estudos
científicos sobre a flora, são mesmo para pôr de salga nas marinhas do Ludo.
Esqueçam a galinha sultana - que recuperou ali da sua mais que provável
extinção nestas paragens -, a garça cinzenta ou a cegonha negra e todas as aves
constantes da Directiva de Ramsar. Queixem-se, mais uma vez, da associação
Almargem que anda sempre a chatear os autarcas, que por sua vez a acusam
despudoradamente de fundamentalista, mas não digam que o turismo está em crise
e o Algarve em colapso!
Há dias Vital Moreira, no
«Público», mostrava o Algarve da incúria da fiscalização, dos esquecimentos dos
governantes, dos compromissos dos autarcas. Nada que os algarvios não conheçam.
Como tive oportunidade de dizer, logo após o anúncio das medidas ambientais
ligadas à aprovação do POOC (Plano de Ordenamento da Orla Costeira) do
perímetro Vilamoura/Vila Real de Santo António, o derrube das casas ilegais no
perímetro dunar das ilhas barreira, na Ria Formosa, seria para esquecer alguns
meses depois. Isto, porque muitos dos interessados nos “direitos adquiridos”
das casas ilegais são ou foram responsáveis de organismos da administração a
vários níveis. Aliás, para corroborar esta minha ideia, o actual governador
civil, questionado pelo «Jornal de Notícias», veio logo a terreiro afirmar que
não se oporia se a sua casa tivesse que ir abaixo. Mas tratou de acrescentar
que os seus antecedentes foram sempre cumprindo obrigações legais relativas à
implantação da casa. Muitos seguir-lhe-iam o exemplo, claro. Quem é que não
segue qualquer governador civil?
Como era de esperar, os fogos
aqueceram os matos e por consequência, arrefeceram as casas ilegais da Ria
Formosa. O governo esqueceu o Plano e nenhumas medidas se conhecem sobre o
derrube das casas ilegais. Por isso o melhor é continuar a construí-las. Para
as ver basta percorrer as margens da Ria na Praia de Faro e verificar que todos
os dias nascem ou se reconstroem habitações. Na maré vaza, olho-as em aglomerado
de madeira, mas quando regresso na maré cheia já é a alvenaria que suporta as
águas e os “direitos adquiridos”. Mais rápidas e prolíficas que os cogumelos
que lhes deram o mote.
Mas nós é que estamos errados.
Nós, que não temos o descaramento de pegar em meia dúzia de tábuas velhas e uma
caixa de pregos para armar uma cabana de madeira sobre a duna da Barrinha, só
para guardarmos a nossa caninha de pesca. Nós, que parecemos uns parolos, por
que queremos o Ludo para passearmos com os nossos filhos, de binóculos em
punho, a olhar as cegonhas e os pernalongas junto dos ninhos. Nós, que
escrevemos estas coisas em vez de estarmos a preparar as nossas bandeirinhas
rosa-laranja para os comícios da rentrée
no Pontal ou na Pontinha. Nós, sim, somos uns incivilizados e por isso só nos
resta mudar de civilização.
Rua João de Deus, em Alte
(publicada em 28 de Julho de 2005)
Uma investigação sobre o Grupo
Folclórico de Alte, leva-me a procurar fontes de referência a práticas musicais
e coreográficas, na mesma aldeia, antes da fundação do Grupo em 1938. Uma das
fontes mais importantes é o jornal «O
Aldeão», dirigido por João de Deus e editado, entre 1912 e 1913, na aldeia de
Alte. Ao pesquisar os arquivos da Junta de Freguesia local verifiquei, mais uma
vez, que o jornal «O Aldeão» não é conhecido. Na Junta apenas existe o «Folha
de Alte», periódico dirigido por Graça Mira (antigo secretário de João de Deus
em «O Aldeão»), entre os anos 1922 e 1934.
Como sem conhecimento não há
memória, tempo, talvez, para o Arquivo Histórico da Câmara de Loulé
disponibilizar, aos altenses, cópias dos 28 números do seu primeiro jornal. Em
debate sobre o tema, a Divisão de Cultura promete colocar no futuro Pólo
Museológico de Alte, um conjunto de microfilmes do jornal. Melhor ainda.
Mais tarde, falando com a Dona
Lourdes Madeira, directora do actual jornal altense «Ecos da Serra», respondo à
sua pergunta sobre se conhecia «O Aldeão» e sobre se João de Deus teria
estudos. Lembro que sim, que João de Deus foi seminarista em Faro, que era
culto e escrevia bem, que criou à volta dele uma plêiade de jovens
republicanos, escrevinhadores no jornal, entre os quais Graça Mira, mais tarde
fundador da Folha. Recordo-lhe que, várias vezes, «O Aldeão» noticiou os
célebres bailes do Centro Republicano, que duravam até alta madrugada e eram
abrilhantados pelo gramofone de José Francisco da Encarnação Madeira, pai da
minha interlocutora, da D. Lourdes exactamente. Perguntei-lhe por que razão
João de Deus não era reconhecido em Alte, não tinha o seu nome numa rua da
aldeia, por exemplo, e a senhora disse-me que ele era muito crítico, falava mal
de todos. Compreendo que a ausência de consensualidade não ajudou João de Deus
a obter, na sua terra, a devida recompensa por ter ajudado a fundar um Centro Escolar
e Republicano que foi uma verdadeira escola política e cultural da aldeia.
Mais tarde, quando retorno ao
arquivo da Junta de Freguesia, encontro o livro de inscrições de sócios do
referido Centro Republicano. Entusiasmo-me, mas resolvo deixar para outro dia a
pesquisa dos nomes dos sócios. A paixão nem sempre é boa conselheira. Mas outra
novidade ainda me esperava. Quando volto a falar com D. Lourdes sobre Graça
Mira ela diz-me que ele se suicidara, em Alte, no dia 1 de Maio de 1939,
“escolhendo” um dia em que a aldeia estava cheia de visitantes. Dia fatídico
este.
A
propósito de uma conversa sobre técnicas de escrita
(publicada em 19 de Maio de 2005)
Não, não vou falar das entrevistas do «Expresso» às célebres tendências
genéticas do Bloco de Esquerda. Até porque já não me apetece o mainstream do dito cujo (do jornal,
entenda-se). Agora, boa, boa, é mesmo a notícia do «barlavento» sobre a
candidatura de J. Mendoza (não é publicidade, juro) à Câmara de S. Brás de
Alportel. Sabem porquê? É que o artigo dá a entender que aquele concelho é um
autêntico reino de opressão. Sim, porque “ser social-democrata no concelho é
muito difícil”. E eu a pensar que era por causa de eventuais pontapés à
Eusébio, mas não. A dificuldade está no facto de que “muitos dos nossos (dos
deles claro) acham mais interessante ficar em casa a ver telenovelas ou
futebol, do que lutar pelo futuro da nossa terra”. Social-democrata sofre!
*
Ele é o único que tem coentros serôdios, onde a folha abunda viçosa e
reticulada. Todos os outros (e outras) vendedores do mercado têm-nos espigados
e cheirosos da flor, mas ineficazes no sabor, quando juntos da conquilha fresca
da Ria. Quando lhe pergunto porquê, responde-me: “Eles não sabem semear.
Plantam-nos como pelo em lombo de cão! O coentro precisa de espaço para
respirar, para crescer. Isto, é como as pessoas...”.
*
AA exulta com os foguetes
enviados na noite de 25 de Abril, parece que pela comissão fabriqueira da mãe
soberana, para comemorar o evento. E acha que isso é motivo de regozijo pela
ligação entre o religioso e o político no festejo da liberdade e da democracia.
Em Portugal, nunca a igreja oficial (a ICAR) esteve com a liberdade e não é
agora que o fará. Aliás quer-se distância entre as duas esferas, a igreja e o
estado, apesar da “Concordata” ser de facto uma grilheta que cola o estado à
igreja e não o contrário. Infelizmente não estamos nos países da Teologia da
Libertação.
*
Compro o «Courrier Internacional» por mera curiosidade. Desilusão, ou
talvez não. Um jornal que é uma manta de retalhos da imprensa internacional.
Nada que não possa ser lido nos sites da maior parte dos jornais que lá
figuram. Alguns acrescentos de cronistas, como José Gil e Mia Couto, não me
parece justificar a compra. Se comparar com o «Le Monde Diplomatique», que
assino há três anos, é como comparar a noite com o dia. O MDiplo - como o
conhecemos - faz jornalismo de vanguarda, ensaio e ciência política. O CI
apenas vende mais, porque tem a Impresa por trás. Continuo nas minorias.
*
Ainda bem que existe um pensamento
suburbano que escreve sobre a morte com ar de quem faz dela a ficção da vida.
Melhor estão os povos que perante a morte riem e se embebedam percebendo que é
sobre os vivos que recaem as maiores desgraças. Por exemplo, a de ler desaforos
tão "cultos", quanto etnocentristas.
*
Ficámos a saber que Valentim Loureiro irá candidatar-se à Câmara de
Gondomar como independente, porque o seu partido não o apoia. Segue, assim, os
gostos de Isaltino Morais. Duas razões óbvias: os fósseis de dinossauros das autarquias,
teimam em persistir na “maquiavelice”; os enjeitados da justiça continuam a
crer que o povoléu gosta do mimetismo das diatribes e dos pequenos favores.
*
No dia do município de Loulé, o presidente da Câmara fez um discurso
tenso, de propaganda e legitimação da governação autárquica. Dele, apesar das
muitas medidas referidas, ficou a falta de rumo para os destinos do concelho de
Loulé. Mesmo a propaganda de pouco serviu. Na assistência, pelo meu olhar de commum sense, parece-me que a maioria
estava na oposição. Palmas, só
para o Zé Carlos que lá recebeu a medalha, vestido de tshirt.
Bolonha: cogito ergo sum?
(publicada em 24 de Março de 2005)
Tinha iniciado a aula com o 1º ano. A ideia
era estudar o tema da educação comunitária, uma das formas mais interessantes
da educação não formal, normalmente desenvolvida nas pequenas comunidades
desfavorecidas de aprendizagens. Distribui pequenos textos de um capítulo do
livro de Moaci Carneiro «Educação comunitária: faces e formas» que, em
conjunto, constituem um capítulo do mesmo. Normalmente circulo pelos grupos a
apoiar a leitura e o debate, pois neste caso o objectivo era desenvolver
capacidades e atitudes relacionadas com a expressão oral e a comunicação.
Porta-vozes dos grupos deslocam-se para os grupos com os números seguintes,
para explicar o texto. Depois, é o grupo receptor que apresenta à turma os
conceitos ou tópicos-chaves de cada texto que lhes foi comunicado.
Um dos grupos pediu a minha ajuda, porque não
percebia nada do que lia: Ó professor, já lemos três vezes e não entendemos
nada! Pedi que me exemplificassem e disseram-me que não sabiam o que era
“cogitar”. O autor do texto escreve com uma linguagem filosófica, às vezes
hermética, mas “cogitar”, meu deus, simplesmente quer dizer pensar; nunca
ouviram falar de Descartes, que falava “Cogito Ergo Sum” – penso, logo existo?
Arregalaram-me os olhos de espanto, as três alunas, como se estivessem a olhar
para um palácio das mil e uma noites. Como as perguntas eram muitas, sentei-me
na mesa para ajudar na leitura do texto. E verifiquei a total ausência da
compreensão escrita, o reduzido vocabulário expressivo, o desconhecimento da
língua. Melhor seria ter um dicionário ao lado. Têm que ler com um dicionário,
que eu depois explico o resto, a coerência frásica, o sentido do texto. Bom, no
final, ao menos o grupo receptor deste texto usou as explicações dadas por mim
às alunas, sinal de que assim o transmitiram.
Senti-me a explicar alguns conceitos ao meu
filho, de sete anos, quando me bombardeia com o pedido de sinónimos e
significados das novas palavras do seu dia.
Pensei nos erros de Descartes. Na
possibilidade de levar o livro de Damásio para a aula e desmistificar aquilo
que disse do filósofo francês. Penso, logo existo! Ou melhor, sinto, logo penso.
No final: existo, logo penso! O melhor é ler os livros com os meus alunos,
começar a fazer jus às novidades da Declaração de Bolonha: auto-formação e
estudo acompanhado, nas aulas e fora delas, que isso sim é o futuro do ensino
superior. Pensemos nas tertúlias que poderíamos fazer com os alunos, de manhã
na relva verde do estádio da Penha e à noite no Ministério da Cerveja. Não, não
estou a brincar. Esta pode ser uma das soluções do processo de
ensino/aprendizagem no ensino universitário. Agora, é decisivo que se pense uma
Declaração, a preceito, para o parente pobre do sistema: o secundário.
A mão invisível do mercado
(publicada em 27/01/05)
No jornal «O Louletano», de 21 de
dezembro passado, os comerciantes louletanos da ACRAL - em tempos natalícios de
miséria de compras -, viraram as armas para os comerciantes oriundos da China,
acusando-os de actividades comerciais eivadas de ilegalidades e sem vigilância.
Até aqui, tudo bem, apesar de não serem apresentadas nenhumas provas. Só que a
linguagem utilizada, é a manifestação latente de uma xenofobia que pode abrir
caminho a discrimações intolerantes.
Pelo vistos o conceito de mercado
(leia-se mercado livre para a concorrência entre produtos e empresas) só serve
quando interessa aos próprios. Um sentido unívoco que a globalização económica
e a mundialização da economia destruiu, extremando a concorrência desenfreada,
a deslocalização das empresas e a
exploração da mão de obra mais barata. Assim, tudo é possível e o
mercado aberto tem destas coisas: a concorrência de produtos baratos a cento e
cinquenta ou a trezentos, o uso da mão de obra familiar e a expansão do consumo
popular. Ora é exactamente este consumismo que não quer saber das ameaças dos
monstros das grandes superfícies que vendem tudo - e até o lazer do fim de
semana – ou da beleza arcaica do contraste do comércio tradicional que já tem
muito pouco, ou nada, da tradição. Há mais de duzentos anos, o economista Adam
Smith criou o conceito célebre da “mão invisível” do mercado. Ora, esta mão
invisível já não é a mão da ACRAL, nem a mão dos comerciantes oriundos da
China. A mão, bem visível, é a do capitalismo globalizado e dos monopólios que
o sustentam. Algo que os estados cada vez mais propiciam e aos quais se
subjugam, na sua crescente gestão do estado mercantil. Por estes dias o
presidente da nossa república esteve na China, isso mesmo, a dar uma mãozinha.
Mas a atitude perante os
estrangeiros tem ainda este sentido: só nos interessam os que nos favorecem!
Que venham jogadores de futebol para as lusas equipas, engrossar as contas de
clubes SAD e trabalhadores para as empresariais obras, pois sim! Mas outros,
que nos façam concorrência, nem pensar! Pois é, o Francis Obikwellu é um
excelente paradigma: “é um preto nigeriano a trabalhar nas obras”; depois “é um
português genuíno medalhado nas olimpíadas”. Anda aqui a “mão invisível” a
criar estereótipos sobre os estrangeiros. Esterótipos perigosos.
Reprogramar Faro, capital
nacional da cultura, 2005
(publicada em 23/12/04)
Nove milhões e meio de euros é
muita nota. Tanta, que merece mais umas pequenas notas a acrescentar ao
orçamento de Faro, Capital Nacional da Cultura 2005. Uma missão que, disse em
tempos o secretário de estado dos bens culturais, iria transformar a face do Algarve. Declarações megalómanas para
quem nada conhece do Algarve e por estes dias vive os seus últimos dias de
gestão corrente. Aliás, nunca vi nenhuma campanha que mexesse fundo nas
estruturas culturais. Bem, só a célebre campanha do trigo de Salazar, nos anos
30 e 40 do século passado. Mas essa destruiu os solos das florestas e das
sementeiras, de outras culturas. No mesmo sentido, esta é criada de cima para
baixo. Lisboa decide e Faro alinha, quando ainda marcava a agenda cultural no
Algarve. Mas isso foi há tempos e em anterior gestão. Projecta um teatro
municipal, que já vem do tempo do ministro Carrilho, que parece ser a nossa senhora
do programa da capital da cultura, uma santa Engrácia que nunca mais fica
pronta. A cidade arma-se toda, convoca a Santa Maria de Faro para imagem de
marca, mas esquece os agentes culturais [já disse que sempre preferi a
expressão actores] que há muito desenvolvem um trabalho estrutural em pesquisa
e produção cultural. Sem dinâmica cultural, o município que governa a cidade, é
como aquele jovem rei que não pode e menos sabe governar e convoca para seu
regente alguém de outro reino. Os programadores culturais são prova disso:
Jorge Queirós nas artes plásticas; Luísa Taveira na dança; Miguel Abreu no
teatro; a Universidade do Algarve e Pedro Ferré na literatura; ninguém na
música, nem música nos dão. Conhecem? Eu também não! Eu, a pensar, na minha
“ingenuidade provinciana”, nos nomes de Manuel Batista, António Laginha, José
Louro, Nuno Júdice, pela mesma ordem de funções; e para a música José Eduardo.
Qual quê! Programar Faro, Capital da Cultura, com algarvios, ainda por cima
competentes, seria “saloice” a mais [Lisboa dixit],
nada melhor do que descentralizar comissários da capital, a verdadeira, como se
fez com os secretários de estado há uns meses, lembram-se? Por isso dou por mim
a pensar: será que vai acontecer à Comissão de Faro, Capital Nacional da
Cultura, o mesmo que aconteceu ao governo, ou ela antecipa-se?
Nota: depois da escrita deste
texto, conheci, via «Expresso», que aos nomes dos programadores foi
acrescentado o de Anabela Moutinho, no cinema e de Luís Madureira, na música.
Portanto, nada do que afirmo no texto é posto em causa.
A cultura cigana na escola
(publicada em 18/11/04)
A Sic deu e propalou a notícia:
na Escola do Ensino Básico da Coca Maravilhas em Portimão, pais de origem
cigana entram na escola para bater em
duas professoras, após uma repreensão a um dos seus filhos, por motivos de um
despique entre alunos. Para dar a dimensão multicultural da escola, a
jornalista diz que a mesma tem alunos de 21 etnias, que depois corrige para
nacionalidades. Na verdade, sendo verdade a segunda asserção e não a primeira,
isso não traz problema nenhum. Ouvida a presidente do conselho executivo, esta
diz: "os ciganos têm uma forma própria de funcionar, têm mais
solidariedade e pensam que podem fazer justiça pelas suas próprias mãos".
Ora bem, sabemos que a entrada, na escola, de etnias diferentes traz com ela a
entrada das suas diferentes culturas, com as quais é preciso lidar de forma intercultural,
isto é, negociando as normas inerentes a cada cultura num processo participado
por todos. A entrada de alunos de etnias diferentes na escola, designadamente
da etnia cigana não deixa à porta da escola os seus traços culturais.
Habituados à segregação e cultivando uma cultura baseada na desconfiança do
"gadjo" [no não-cigano] e afastados da escola, enquanto marca
educativo-cultural dos povos sedentarizados, os alunos ciganos ainda não
integraram, no seu mecanismo cognitivo e cultural, os climas fechados,
disciplinados e normativos dos espaços educativos. Isso deve entender-se,
porque a única maneira de lidar com as diferenças étnicas é perceber as
diferenças culturais de cada um. Acresce que esta escola se situa numa complexa
área de realojamento habitacional, de uma enorme complexidade, que mostra a
guetização dos moradores vindos de áreas degradadas, abandonadas ou destruídas
pela industrialização. Afastados dos centros de decisão e por cause, dos
centros do poder, a tendência não é só fazer justiça pelas suas próprias mãos,
quer seja a justiça cigana ou a justiça lusa; nestes locais fomenta-se a
xenofobia e o racismo, muitas vezes estimulado pelos media no seu papel de
busca e promoção do reality show, da degradação humana.
Moral da história: quase sempre a
xenofobia não está nas nossas declarações de intenção, quase sempre pretendemos
afastá-la da nossa prática, mas ela espreita sempre que entra em risco a
estabilidade dos "nossos valores" culturais.