Alte e o seu dia de Maio (artigo no jornal «Ecos da Serra»)

 

ALTE E O SEU DIA DE MAIO

Da república à democracia 

Helder Raimundo, investigador em educação, formação e culturas

Na Semana das Artes e Culturas deste ano realizou-se um serão, com o jornal Ecos da Serra, sobre o 1º de maio. Nesse encontro subsistiram algumas dúvidas, sobre a história desse dia ao longo dos anos, que merecem algumas palavras de forma esclarecedora.

Pouco tempo após a implantação da república, a 5 de outubro de 1910, a Câmara de Loulé decreta o dia 1 de maio como feriado municipal (edital de 24/11/1910). Essa deliberação abriu caminho à realização de festas cívicas republicanas, quase sempre anuais, com a presença de bandas filarmónicas de Loulé e de Paderne e dos grupos culturais locais que, entretanto, se viriam a constituir na aldeia: Grupo Musical Altense e Grupo Dramático Altense.

Em 1912, o jornal local O Aldeão refere-se ao 1º de maio como dia de luta dos trabalhadores, na sequência da ideologia revolucionária da época. Alguns meses depois, uma Comissão Paroquial Administrativa da Freguesia propõe a realização de uma festa cívica no 1º de maio, incluindo uma peça de teatro (O Aldeão, 1913). É assim que o 1º de maio de 1913 tem a participação dos grupos Musical e Dramático Altense – muitas vezes com membros comuns – que apresentam récitas e pequenas peças de teatro, resultado da intervenção cultural de jovens da burguesia local, que estudavam em Lisboa e Coimbra, trazendo para a aldeia as influências e práticas culturais urbanas.

Entretanto, devido à ausência de dados, só temos notícias do tema a partir do Folha de Alte, que anuncia, a partir de 1922-1923, um tempo de consenso e aglutinação das iniciativas pró-Alte. Mantendo a referência aos tempos “proletários”, o jornal noticia uma festa de cariz festivo e cívico, típico do republicanismo deste período, realizado no dia de maio de 1923. E é assim que, em 1924, a festa de maio é dirigida pela comissão organizadora do jornal, com o mesmo programa do ano anterior, acrescido de um elemento de fora da terra, o Grupo Musical Louletano. E em 1927, volta a realizar-se, já com a estrada para a Fonte Grande terraplanada, como era exigência do jornal de Graça Mira.

Sabemos que é em 1928 que se realiza o 1º de maio de maior impacto na aldeia até então, com a presença de cerca de 1500 pessoas, vindas de todo o Algarve. Este dia contou com a presença da Jazz-Band de Albufeira, aliás promovida nas páginas do Folha, bem como a representação de uma peça teatral, da Companhia Dramática de S. Marcos da Serra (ver imagem).

A crise internacional de 1929-1930, com os resultados inevitáveis de fome, emigração de jovens e despovoamento, obriga ao declínio da expansão social e cultural de Alte, que já se vinha manifestando desde o golpe do Estado Novo, em 1926. Mesmo assim celebra-se, na aldeia, o 1º de maio de 1930, organizado pelo jornal local, como “velha tradição”, mas o povo não compareceu, apesar do grande investimento e das duas atuações da Filarmónica Artistas de Minerva. Com o renascimento da banda local, em 1931, foi possível organizar a festa de maio em 1932, que contou ainda com grupos de música e de teatro de fora de Alte. E ainda temos notícia da festa de 1933, na qual atuou uma orquestra da moda, com “um grupo de rapazes”, dirigida por Camões Pais, regente da Artistas de Minerva.

Com o desaparecimento do Folha de Alte (1934) e, mais tarde, de Francisco Graça Mira (1936 ou 1939?), o 1º de maio termina a sua versão de “festa tradicional com banda” e inicia um novo ciclo, o da “festa do folclore”, como referiu e escreveu José Vieira. Recorde-se que, nesta época, as celebrações de maio, em Alte, atraíam populações de todo o Algarve, como pretexto para festa, negociação ou protesto.

Até finais dos anos 1940, a festa organizada decai, vindo a surgir de forma mais intensa no ano de 1949. Repare-se que, neste período, tinha acontecido o Concurso da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal (1938) e a afirmação do estatuto cultural do Grupo Folclórico de Alte, que passa a afirmar-se como o emblema principal da aldeia. Só com o aparecimento do SNI (Secretariado Nacional de Informação Cultura Popular e Turismo), em 1945, e a sua aposta na política cultural do estado novo, é que se reabilitam as festividades culturais e etnográficas do regime. E desse modo, em 1949, reaparece a chamada Festa da Fonte Grande, na “pitoresca” aldeia de Alte, cujo programa inicia com uma homenagem a Graça Mira, e decorre com duas atuações do Grupo Folclórico e baile â noite (ver cartaz).

O Dia de Maio passa a ser organizado pela Junta de Freguesia (1952), com a designação de Tradicional Festa da Fonte Grande, a partir de 1954, na qual participa o Grupo Infantil de Alte e já em 1959 com o grupo adulto. Neste ano, já com o palco sobre a nascente da Fonte Grande, o dia de maio passa a juntar a designação de “festival de folclore”.

Nos anos 1960 o dia de maio, conjugando-se com a afirmação nacional e internacional do Grupo Folclórico de Alte, assegura relevo nacional, já que Alte faz parte das festas nacionais do Dia do Trabalho (1966) e da campanha do turismo nacional (1969).

A festa do 1º de maio, como festival de folclore, mantém-se após o 25 de Abril de 1974, sendo associada em 1975 e 1976, à Festa do Trabalhador. Finalmente, em 1995, com o início das semanas de artes e culturas, o 1º de Maio é integrado neste conjunto de comemorações artísticas e culturais.

Nota: Este texto é um pequeno contributo para o conhecimento do Dia de Maio em Alte, sujeito como está ao espaço disponível no jornal. Assim, para conhecimento mais detalhado, é necessário ler, entre outras obras:

José Cavaco Vieira (2003). Conversando a Vida Toda. Loulé: Câmara Municipal de Loulé.

Carla Almeida de Sousa (2005). Alte: Elites Locais e Recriação Identitária numa Aldeia Algarvia. Lisboa: ISCTE (dissertação de doutoramento).

Helder Faustino Raimundo (2013). Grupo Folclórico da Casa do Povo de Alte. 75 Anos de Vida: ora agora mando eu! Alte. Casa do Povo de Alte.

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