Poesia popular

POETA DE PADERNE

PUBLICA SEGUNDA OBRA DE POESIA

No passado dia 21 de Dezembro, a poeta popular de Paderne Albertina Coelho Rodrigues lançou a sua segunda obra de poesia intitulada «Nasce o sol a cada dia e do meu peito a poesia». A sessão teve lugar no salão da Sociedade Musical e Recreio Popular de Paderne, que contou com casa cheia para ouvir os poemas e as quadras da autora e os apresentadores da obra: Arménio Aleluia Martins, director do jornal local «A Avezinha», Ana Vidigal, antiga vereadora da cultura da Câmara Municipal de Albufeira e Helder Raimundo, investigador da Universidade do Algarve, coordenador do livro e autor do prefácio do mesmo, o qual transcrevemos de seguida com a devida vénia:

PREFÁCIO

Em Setembro de 2005, a Câmara Municipal de Albufeira deu à estampa o livro «Do Sonho à Realidade», uma obra de poesia de Albertina Coelho Rodrigues. Foi a sua primeira obra, 134 páginas de poemas em quadras, quintilhas e sextilhas e muitas quadras soltas. A concretização deste sonho em livro, plasmou o labor de vários anos da autora a escrever e reescrever poesia nascida das suas vivências no campo, dos seus olhares umas vezes ingénuos, outras vezes críticos sobre o mundo, sobretudo aquele que nos traz os “media” a toda a hora e de todo o lado. No prefácio do livro, Amália Cabrita mostra como a poesia de Albertina é ao mesmo tempo popular e feminina, na linha da crítica social das cantigas de amigo, mas uma voz de mulher; e eu acrescentaria de mãe, nas suas mais diversas formas.

Esta não foi a primeira incursão de Albertina na poesia publicada. Nas colectâneas «Poeta é o Povo», editadas pela Associação dos Poetas Populares do Alentejo e Algarve (APPA), em 1989/1990, já a autora tinha publicado alguns poemas. Antes, a sua poesia circulou ainda nos programas de Edmundo Falé, no Rádio Lagoa, nos anos 80, e nos vários encontros de poetas organizados nalguns locais do Algarve e Alentejo. Nesses encontros, chegou mesmo a ganhar o 1º prémio do concurso de quadras sujeitas a mote de António Aleixo e o 2º prémio de quadra, nos Jogos Florais da UATI (Universidade de Apoio à Terceira Idade).

Albertina Coelho Rodrigues nasceu em 15 de Janeiro de 1934, na Fonte de Paderne, onde sempre viveu. Casou nova e criou três filhos e três netos. Em criança ajudava os pais nas sementeiras do campo, na horta e nos terrenos de sequeiro. Frequentou a escola apenas no período de dois meses e quando adoeceu, aos sete anos, nunca mais lá voltou. Regressou assim ao trabalho na casa familiar e mais tarde a mãe decidiu a sua aprendizagem na costura. Mas sempre achou que o que gostaria era de costurar frases: palavras que saem do coração e chegam à cabeça como que a ordenar que tomem a forma de poesia. Poemas para serem lidos em voz alta. Como afirma Albertina: “Se a gente não sente também não se faz sentir quem a lê”. Começou por escrever poemas com a sua nora, ainda antes da sua neta nascer. Experimentou enviar para ser lida na rádio e gostou do que ouviu. E nunca mais parou. Há cerca de 15 anos, quando o seu marido feneceu, aprendeu verdadeiramente a ler e escrever, como adulta preocupada, e consciente, com a sua aprendizagem de vida.

De 2005 até hoje Albertina acumulou muitos outros textos. Já os tinha na altura do primeiro livro, mas decidiu preservá-los, para os costurar e cerzir mais tarde. A sua infatigável dedicação a cada palavra, a cada rima ou a cada poema no seu corpus técnico e estético, leva-a a trabalhar os poemas quase perenemente. Escreve, apaga, substitui, deixa repousar e volta mais tarde com uma ideia mais definitiva na cabeça. Muitas vezes o tema de um poema sugere-lhe imediatamente outro, como uma poeta repentista que estivesse na praça pública a ser ouvida e a escutar os outros. A sua leitura de poetas populares ou consagrados, como Aleixo ou Pessoa, também é crítica e não esconde a sua opinião, afirmativa, mesmo que ainda iniciática. Indiscutivelmente, o poeta popular algarvio é uma sua influência clara. Ou talvez dito de outro modo: há uma similitude entre ambas as escritas, conforme é notório noutros poetas da região, como Clementino Baeta, por exemplo. É claro que as fontes de conhecimento e aprendizagem na escrita de Albertina continuam a ser a oralidade popular (mais forte quando a iliteracia é evidente) e o quotidiano rural e comunitário de grande parte das vivências portuguesas da primeira metade do século XX. Uma seiva que provém da alimentação do cancioneiro popular de raiz tradicional e romântica, dos séculos XVIII e XIX.

Na presente obra Albertina Coelho Rodrigues acentua o uso da redondilha maior (verso de sete sílabas), que trabalha até quase à exaustão, e o poema enversado em conjuntos de cinco quadras. Só muito excepcionalmente utiliza seis ou mesmo sete quadras quando a narrativa se justifica no poema. Também a quadra solta, muito ao gosto popular, tem uma função social importante na sua poesia. É nelas que transparece a sua microficção, adivinha ou anedota, conto ou máxima, rápida e certeira e, muitas vezes, mote para novos poemas.

A leitura da obra sugere uma audição musical, se lida em voz alta e recitada, como se antes da escrita fosse pensada em voz alta para os animais e as flores do campo ouvirem em silêncio. Ouçamo-la também da mesma forma.

Neste livro Albertina desenvolve o seu campo temático. Continuamos a sentir o campo e também o mar, no fundo a Terra como mundo no qual vive. Também os comportamentos, atitudes e valores das pessoas são esmiuçados com exemplos vividos ou mediatizados. E há ainda o peso de um reino espiritual de luz e transcendência que evoca sempre e nunca esquece. Quase todo este labor é veiculado pelas suas memórias, pessoais ou sociais, que revela de forma interpretativa e circular. Muitas vezes lapidar, condição que o seu estatuto poético lhe permite. Muitos dos poemas são ainda sobre o seu trabalho de poeta. Ela explicita de forma clara como o faz e porquê. Não sendo nós detentores destes segredos, resta-nos ler, ouvir e descobrir. O que é muito mais do que a autora é obrigada.

Helder Faustino Raimundo

Mestre em Ciências da Educação/Educação e Formação de Adultos.

Professor da Universidade do Algarve.

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Nota:

O livro pode ser pedido a Albertina Coelho Rodrigues, Fonte de Paderne, 8200-476 Paderne [telefone 960361801] ou adquirido na sede deste jornal (preço de capa = 5 euros)

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