Pólo Museológico dos Frutos Secos

O PLANO MUSEOLÓGICO DO CONCELHO DE LOULÉ.
O EXEMPLO DO PÓLO MUSEOLÓGICO DOS FRUTOS SECOS

Hélder Raimundo (2004). Revista al~ulyã, 10 (pp. 437-447). Loulé: Arquivo Histórico Municipal de Loulé.

1. INTRODUÇÃO
Em 1991 é estabelecido o Plano Museológico do concelho de Loulé, a partir de uma proposta discutida em reunião aberta com associações locais, investigadores e outros interessados. Desde aí, o Museu Municipal de Loulé tem desenvolvido esforços concertados com muitos actores locais, públicos ou privados no sentido de concretizar a instalação de uma rede de pólos museológicos diversificados – mas complementares – que permitam uma interpretação cultural do rico património do concelho. Nesse âmbito, abordamos neste texto o exemplo do Pólo Museológico dos Frutos Secos, instalado na cidade de Loulé, em Dezembro de 1998, e que caracteriza o paradigma dos objectivos da museologia participativa que enforma os princípios do Plano Museológico do concelho.
O Pólo Museológico dos Frutos Secos é um espaço museal que assenta numa antiga unidade fabril dedicada à indústria dos frutos secos, designadamente ao tratamento da amêndoa e da alfarroba.

2. PLANO MUSEOLÓGICO DO CONCELHO DE LOULÉ
O Plano Museológico do concelho de Loulé é um projecto da Divisão de Cultura e Património Histórico da Câmara Municipal de Loulé. Ele é o resultado de uma ampla discussão, investigação e experiência, acumulada desde 1991, no âmbito da intervenção relativa à defesa, conservação e reabilitação do património cultural.
Pretende-se com este Plano, dotar o espaço concelhio de uma estrutura museal, assente num conjunto de pólos museológicos, que funcionem como pequenos centros de interpretação do concelho, nas suas várias componentes sociais, económicas e culturais.
A partir do núcleo central, designado por Museu Municipal, sedeado em Loulé e em permanente processo de consolidação, deve ser possível estabelecer um conjunto de percursos disseminado pelo território, privilegiando-se, assim, a descentralização cultural e o processo de desenvolvimento local.
Trata-se de um novo conceito e de uma nova forma de encarar o património e a museologia, do qual podemos destacar algumas características:

i) Museu como percurso histórico-geográfico;
ii) Museu vivo, com público participante;
iii) Museu interpretativo de um território, de uma população e de um património;
iv) Museu como pólo de desenvolvimento.
Estes novos conceitos de museologia assentam num trinómio, o qual contraria a velha visão dos museus que conhecemos:
1. Em oposição a um Edifício, elegemos um Território;
2. Em vez de uma Colecção, propomos um Património;
3. Ao contrário de um Público, pretendemos uma População.
Esta nova concepção abre caminho a uma metodologia de trabalho que irá consagrar o espaço edificado do museu, em sintonia complementar com o seu território envolvente, como se este fosse o seu prolongamento. Em segundo sentido, o museu irá constituir-se em torno de um património cultural próprio, proveniente do contexto social e económico da comunidade onde se insere, que o deve assumir como um espaço social de identidade. Em terceiro lugar, o que o museu irá privilegiar não é um público amorfo e distante, mas uma população interessada no seu usufruto, à qual ele se devolve, numa visão interpretativa.
Dentro desta perspectiva, a Divisão de Cultura e Património Histórico procedeu já à instalação, na alcaidaria do castelo de Loulé, do Museu Municipal de Arqueologia – representativo do povoamento histórico no território do concelho –, bem como à abertura do Pólo Museológico da Cozinha Tradicional. E ainda, à abertura do Pólo Museológico do Esparto, integrado na Casa Memória de Alte, espaço polivalente com funções de Museu, Posto de Turismo e Mostra de Artesanato. Nesta aldeia decorre, ainda, o processo de instalação do Pólo Museológico do Traje, Música e Dança.
Para breve prevê-se a instalação, em Querença, do Pólo Museológico da Água, representativo de um traço característico de uma freguesia, que assenta ainda grande parte da sua actividade económica e social, em torno da utilização deste recurso precioso. Em Salir, projecta-se a implantação do Centro Interpretativo do Castelo, a partir do espólio exumado nas escavações arqueológicas efectuadas, que demonstram a antiga presença islâmica no local.
Outros pólos se seguirão nas restantes freguesias, respeitando sempre o princípio da diversidade temática e da consequente complementaridade.

3. PÓLO MUSEOLÓGICO DOS FRUTOS SECOS

O Pólo Museológico dos Frutos Secos insere-se na linha de implantação do Plano Museológico do concelho de Loulé, o qual privilegia a instalação, por todo o território concelhio, de pequenos núcleos temáticos e diversificados, adequados aos contextos locais, do ponto de vista social e cultural. Esta perspectiva possibilita uma interpretação do território, comum a uma população específica, sendo essa leitura realizada, a partir de um património que se reconhece na memória dos seus promotores.
A instalação de pólos pelo concelho descentraliza a actividade cultural e serve de atractivo aos visitantes, que dessa forma podem percorrer o concelho numa rede de interesses culturais, valorizando assim outras áreas, como a gastronomia e o artesanato e em particular, rendibilizando a actividade turística.
O Pólo Museológico dos Frutos Secos, está instalado num edifício fabril de pequena dimensão, localizado na rua Gil Vicente, nº 14, num núcleo antigo da cidade de Loulé, propriedade do Sr. José Bota e que a Câmara de Loulé arrendou com esse objectivo.
O edifício, foi alvo de pequenas obras de recuperação e consolidação, do telhado, paredes e aberturas, para permitir albergar os equipamentos originais das duas moagens: uma máquina de partir amêndoa e uma máquina de triturar alfarroba.
A musealização do espaço foi realizada em torno destes dois equipamentos principais, à volta dos quais, se desenrolarão os restantes materiais de trabalho e outros acessórios, enquadrados por textos, fotografias, desenhos, cenografias contextuais e outros materiais. Um terceiro sector será dedicado ao historial da pequena empresa da família Bota tendo-se utilizado, para o efeito, elementos visuais como mapas, cópias de documentos, fotografias, etc.
O Pólo Museológico é encarado de forma a servir didacticamente os visitantes. Dessa forma, as duas maquinetas estão preparadas para funcionar em determinadas situações, sobretudo aquando de visitas de escolas. É importante dar a conhecer, elementos importantes do nosso património arqueológico industrial, de forma rentável, se possível. Com isto, queremos dizer que a amêndoa partida pode servir para provas e vendas no local, tal como a alfarroba triturada, servirá para utilização na confecção de pão e bolos, a comercializar no local. Esta componente complementará o ciclo funcional do Pólo e permitirá a promoção dos produtos locais, atraindo alguns benefícios económicos.
Finalmente, a instalação deste espaço permitiu a formação de uma auxiliar de museografia que possibilita aos visitantes, em geral e às escolas, em particular usufruir devidamente das informações e animações culturais proporcionadas por este recurso educativo.

4. A INDÚSTRIA DOS FRUTOS SECOS

O pomar misto de sequeiro tradicional algarvio, constituído por alfarrobeiras, figueiras, amendoeiras e oliveiras, sempre se afirmou como uma área de grande riqueza, na economia rural do Algarve, em especial no concelho de Loulé.
Desde há muito tempo que se conhecem registos da actividade comercial, relacionada com a produção e exportação de frutos secos, primeiramente com o figo, posteriormente com a amêndoa e mais recentemente com a alfarroba e seus derivados.
Esta actividade permitiu o aparecimento de uma classe de grandes negociantes, especializados na compra e exportação para o estrangeiro e apoiados em intermediários, que se reuniam regularmente em Faro e Loulé para definir os preços dos produtos.
Em 1971, o concelho de Loulé possuía 77 comerciantes armazenistas registados na Junta Nacional das Frutas, em Faro, detendo o primeiro lugar, seguido do concelho de Silves. Muito antes, em 1905, Ataíde Oliveira, dá notícia de três industriais de “frutas secas”, no concelho de Loulé.
Um dos industriais referidos é provavelmente Francisco Joaquim Bota, que desde os finais do século passado negociava cortiça no Alentejo e no Ribatejo e figo no Algarve. Tratava-se de uma empresa informal instalada na Estação de Loulé, que ocupava meia centena de mulheres nas actividades de tratamento, embalamento e enceiramento do figo e partição da amêndoa. Só por volta dos anos 30 é que a actividade se instala em Loulé.
Em 1 de Julho de 1943, Francisco Joaquim Bota e os seus filhos José Francisco Bota e António Francisco Bota, constituem uma sociedade por quotas de comércio e exportação de frutos secos, que adopta a designação “Francisco Joaquim Bota & Filhos, Lda.”, com sede em Loulé, na Rua Serpa Pinto nºs 1 a 13 e Rua Nova de Quarteira nºs 4 e 6.
Inscrita na Repartição do Comércio, a nova empresa estava claramente vocacionada para a transformação e comercialização de frutos secos.
Os figos, amêndoas e alfarrobas eram comprados no barrocal do Algarve directamente aos produtores, ou ainda na empresa, onde eram vendidos por intermediários ou por produtores. A sua transformação era efectuada pela empresa de forma manual, tendo os equipamentos mecânicos sido introduzidos apenas nos anos 60. A máquina de partir amêndoa (que no museu se expõe), tem patente de um fabricante de Loulé, Zeferino Clara Viegas. Os frutos secos eram depois exportados para diversos mercados nacionais e estrangeiros, sendo de destacar o Norte da Europa.
Após o falecimento do fundador da empresa, a gestão dos negócios é feita, formalmente a partir de 1961, em conjunto pelos seus dois filhos e mais tarde por um dos seus netos, José Viegas Bota, que mantém viva, ainda hoje, a memória desta actividade económica.
Ao Sr. José Viegas Bota se agradece a disponibilidade manifestada, para a montagem do Pólo Museológico dos Frutos Secos, na cidade de Loulé.


5. A AMENDOEIRA (Prunus dulcis)

A amendoeira é uma pequena árvore, de copa arredondada e folha caduca, originária da Ásia e do Norte de África que se tem propagado ao longo de várias áreas. Em Portugal, introduzida pelos árabes, surge em Trás-os-Montes, mas sobretudo no Algarve, onde floresce ainda nos dias frescos mas soalheiros de Inverno. As suas flores brancas e cor-de-rosa dão um alegre colorido aos campos molhados do barrocal algarvio, lembrando mantos de neve, em terras longínquas e recordando a lenda das amendoeiras em flor.
Para além da sua beleza visual, a amendoeira propagou-se devido ao valor económico do seu fruto, a amêndoa. No início, parecem pêssegos ou alperces verdes, mas a parte carnuda mantém-se dura e não é comestível. Quando amadurece, no final do Verão, o pericarpo abre e solta-se, deixando ver a casca rija da amêndoa. Só o seu miolo é comestível.
A riqueza da amêndoa é conhecida e explorada desde há muito tempo. A sua utilização na alimentação e em particular na doçaria, misturada ou não com o figo, é descrita já no século XVI. Nesta altura, a amêndoa era comercializada entre o Algarve e Lisboa e mais tarde com o Alentejo, transportada pelos almocreves através das serras algarvias. A exportação para o estrangeiro, por via marítima, sobretudo para França e Bélgica, é conhecida neste mesmo século.
Mais tarde, os mercados alargar-se-ão para os países do Norte e Noroeste da Europa.
No Algarve os amendoais espalham-se por todo o barrocal, sendo o concelho de Loulé um dos mais representativos desta cultura.
Apesar do declínio desta produção, nos pomares de sequeiro, a sua comercialização contribui, ainda, para a parca economia rural algarvia.


6. A ALFARROBEIRA (Ceratonia siliqua, L.)

A alfarrobeira é uma árvore da família das leguminosas, de copa arredondada e folhagem densa e persistente, originária da Síria e introduzida em Portugal pelos árabes.
Aparece um pouco dispersa por todo o país, mas é no Algarve que tem a sua principal expressão ecológica e económica, nos terrenos do litoral, na serra xistosa nordestina e sobretudo nos terrenos calcários do barrocal.
As suas variedades ou cultivares, estendem-se desde Lagos a Tavira, assumindo o concelho de Loulé o predomínio, em número de explorações e produção. Por isso é considerado o “solar” da alfarrobeira.
A colheita dos seus frutos, a alfarroba, ocorre antes das chuvas entre Agosto a Outubro, pelo simples sistema do varejo, devendo aqueles ser armazenados em sacos, em condições de humidade aceitáveis, por um período de um ou dois anos. Só posteriormente a alfarroba é vendida para uma primeira transformação, a armazenistas ou industriais de trituração.
Desde há séculos que se conhece e explora comercialmente a riqueza económica da alfarrobeira. No século XVI, a alfarroba era um dos produtos vendidos na feira de Tavira, e no concelho de Loulé os seus oficiais multavam quem colhesse “farrobas” em herdades ou terras de pão.
Nos séculos seguintes cresce a produção de alfarroba, estimulada primeiro pela sua reputação como alimento para o gado, em Portugal e no estrangeiro e a partir de finais dos anos 40 do nosso século, pela sua transformação para as indústrias alimentar, farmacêutica, cosmética e têxtil, entre outras.
A industrialização da alfarroba permite a obtenção de diversos produtos.
A polpa, em triturado fino, destina-se ao consumo de ruminantes; do triturado grosso pode fazer-se extracção de xarope ou obter-se farinha torrada.
A semente, que corresponde apenas a 10% do peso do fruto, constitui a sua parte mais nobre, pois dela se originam as gomas de alfarroba e o germe de alto valor proteico, donde se fabrica a farinha que integra a rica doçaria tradicional algarvia.
Nos últimos anos a alfarroba, no conjunto dos seus derivados, tem participado com cerca de 50% no valor total da exportação de frutos, destinada sobretudo aos mercados do Japão, EUA e Holanda, o que mostra o seu crescente valor económico para Portugal e em especial para os produtores do Algarve.

Pólo Museológico dos Frutos Secos – Museu Municipal de Loulé
Rua Gil Vicente, nº 14, 8100-697 Loulé / Telefone: 289 400689
Horário: Segunda a Sexta, das 9 às 12 e das 13.30 às 17.30 horas / Sábado, das 10 às 14 horas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADRAGÃO, José (1985) Algarve, Novos Guias de Portugal. Lisboa: Presença.
ALVES, Fernando et all (1992) Amendoeira (Prunus Dulcis) in Público Magazine. Lisboa: Público, p. 48.
CARVALHO, José (1989) Os Sistemas Agro-Florestais do Algarve e a Competição Hídrica Estival da Vegetação in O Algarve na Perspectiva da Antropologia Ecológica. Lisboa: INIC e UAL, pp. 435-446.
CAVACO, Carminda (1976) O Algarve Oriental. As Vilas, o Campo e o Mar. Faro: Gabinete do Planeamento da Região do Algarve, volume I.
FREITAS, Miguel (1991) Loulé, um Espaço Rural em Mudança: Utilização do Solo in Actas do I Congresso do Concelho de Loulé. Loulé: Casa da Cultura de Loulé, pp. 263-272.
GRAÇA, José (1989) A Alfarrobeira no Algarve in O Algarve na Perspectiva da Antropologia Ecológica. Lisboa: INIC e UAL, pp. 423-434.
LOPES, João (1988) Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve. Faro: Algarve em Foco Editora, 1º volume.
MAGALHÃES, Joaquim (1970) Para o Estudo do Algarve Económico Durante o Século XVI. Lisboa: Cosmos.
MAGALHÃES, Joaquim (1988) O Algarve Económico – 1600-1773. Lisboa: Editorial Estampa.
MORENO, Humberto (1984) Actas das Vereações de Loulé. Porto: Câmara Municipal de Loulé.
RAIMUNDO, Hélder e SERRA, Pedro (1998) Pólo Museológico dos Frutos Secos – Museu Municipal de Loulé. Loulé: Câmara Municipal de Loulé.
REBELO, Maria e PITA, João (1990) A Goma de Alfarroba em Medicamentos de Uso dermatológico in Actas do 6º Congresso do Algarve. Silves: Racal Clube de Silves, volume II, pp. 545-553.
SERRA, Manuel e RAIMUNDO, Hélder (1998) Património Histórico do Concelho de Loulé – Exemplo da Área Urbana in Encontros Locais Sobre Ambiente. Loulé: Associação Almargem (documento policopiado).
S. JOSÉ, Frei João (1983) Corografia do Reino do Algarve in Duas Descrições do Algarve do Século XVI, Cadernos da Revista de História Económica e Social, nº 3. Lisboa: Sá da Costa Editora, pp. 21-132 [1577].

ABSTRACT
The Dried Fruits’ Industry

On the 1st July 1943, Francisco Joaquim Bota and his sons José Francisco Bota and António Francisco Bota created a joint-stock company to the commerce and exportation of dried fruits, with its head-office in Loulé, in Serpa Pinto Street. The new company, that adapted the denomination “Francisco Joaquim Bota & Filhos Ld”, was clearly adequate to the transformation and to the commercialisation of figs, almonds and carob. Nowadays, the founder’s grandchild, José Viegas Bota, keeps alive the memory of this economical activity.

The Almond tree

The almond tree was introduced in Portugal by the Moors and it appears mostly in the Algarve, where it flowers in the fresh but sunny days of winter. Its white and pink flowers recall snow-drifts and recall the legend of the almond trees in flower. The richness of the almond has been exploited since a long time ago, mostly by its use in the traditional confectioner, contributing also to the rural economy of the Algarve’s “Barrocal” (area composed by clay and lime).

The Carob tree

The carob tree is originated from Syria and it was introduced in Portugal by the Moors. It can be found spreaded all over the country, but it is in the Algarve where it has its main ecological and economical expression, mostly in Loulé’s Municipality. Since 1940, its richness becomes clearer by its use in several industries. Nowadays, the carob, with its set of by-products, composes one of the main exported products, assuming an important economical role, in the economy of the Algarve.
(Tradução / Translation: Deanna Raimundo)

Mensagens populares deste blogue

Conto Trinta Anos Depois

Alte e o seu dia de Maio (artigo no jornal «Ecos da Serra»)

3 Poemas publicados