O Movimento “Prisma” em Loulé

O Prisma de Cristal
Em 16 de Outubro de 1956 surgia, no jornal local «A Voz de Loulé» nº 94, uma denominada “página cultural” intitulada “Prisma de Cristal”. Estava colocada na página 2, onde se manteve quase sempre e era organizada por Casimiro de Brito. Casimiro Cavaco Correia de Brito, tinha nascido em Loulé em 1938 e tinha na altura 18 anos. O “Prisma de Cristal” publicou-se durante 26 números, de 16 de Outubro de 1956 até 15 de Fevereiro de 1959, tendo a página, desde o nº 2, passado a chamar-se “página literária”. Percebe-se porquê. A grande maioria dos seus conteúdos seria composta de poesia, poemas de jovens e consagrados lado a lado, oriundos dos vários quadrantes poéticos do Algarve, do país, de Espanha, do Brasil, de África. Nas suas páginas publicaram cerca de 45 poetas, muitos deles traduzidos do espanhol e do inglês, por Casimiro de Brito. De entre os nomes hoje mais conhecidos poderemos referir, para além do organizador da página, Ramos Rosa, Vicente Campinas, Emiliano da Costa, Afonso Cautela, Fernando Midões, Eduardo Olímpio, Maria Rosa Colaço e António Cabral. Com o poeta Eduardo Olímpio, natural de Santiago do Cacém, Casimiro de Brito criou e divulgou os Cadernos de Poesia “Encontro”, vendidos pelo “Prisma” a 4 escudos cada. Na área da criação e divulgação poética o “Prisma de Cristal” dá conta das diversas iniciativas editoriais de Casimiro, designadamente do “Caderno Zero” (como redactor), do “Convívio” (como director) e dos mais célebres “Cadernos do Meio-Dia”, dirigidos por António Ramos Rosa, na altura em que Casimiro de Brito já habitava na Rua do Bocage em Faro. Nos anos 60, Casimiro de Brito viria a dirigir, em Faro, a importante colecção de poesia organizada em “A Palavra”.

O Movimento Prisma
O “Prisma de Cristal” é, ainda, o suporte estético daquilo a que Casimiro chamou o Movimento Prisma, espaço de criação, fomento e organização de uma jovem poesia que nascia nos anos 50, fora dos movimentos conhecidos da poesia contemporânea. A sua importância, no Algarve, está ainda por apurar. A esse movimento Casimiro de Brito refere-se várias vezes no “Prisma de Cristal”, abordando ainda temas fora da poesia, como a estética, a filosofia ou a cultura, exercendo crítica literária e discorrendo sobre muitos outros temas. No corpo de colaboradores do “Prisma”, informalmente organizados no Movimento, destaque para o poeta Gastão Cruz, de Faro, que publicou o seu primeiro texto na página, com apenas 16 anos, uma crítica literária ao livro «Dispersão» de Mário de Sá-Carneiro. Durante o período de publicação, o “Prisma” contou com um total de 18 colaboradores, de entre os quais saliento Ramos Rosa, Manjua Leal, José Guerreiro, Vicente Campinas, Maria Rosa Colaço, Afonso Cautela, Francisco de Sousa Inês, João de Leal, Eduardo Olímpio, Carlos Porto e o artista plástico Manuel Cavaco Guerreiro, autor dos linóleos publicados e do frontispício da página.

Os Poemas Publicados
Para além de organizador, Casimiro de Brito foi um participante compulsivo em várias áreas da cultura e da literatura. No campo da poesia, participou com 12 poemas em 9 números do “Prisma”. Os seus primeiros poemas publicados, surgem no nº 3 [de 16 de Novembro de 1956], com o título “Diário dum jovem poeta” e assinados como Casimiro de Brito:

Fuga Suave

Um homem deitou-se no chão
De qualquer maneira,
E sentiu satisfação
Pela vez primeira...
As horas passaram,
O sono ficou.
Só os bichos notaram
Que esse homem acabou!...
Tinha adormecido sem sentir,
E a morte levou-o a sorrir...

Imaginação

Tenho-a no meu colo
a mulher que vai além
na rua...
Tenho-a no meu colo
apertada em meus braços
bela e nua...
19/10/56 [Faro]

No entanto, o autor tinha já publicado nos dois números anteriores [1 e 2], duas quadras de sua autoria mas assinadas com os seus dois nomes menos usados, Cavaco Correia:

Quadra

Ai, se os teus olhos falassem
Que belas coisas diriam
Quem sabe, talvez cantassem
Quem sabe se chorariam...
3º prémio do Concurso de quadras populares,realizado no Bairro do Bom João, em 24/6/56, Faro. Publicada no “Prisma de Cristal”, nº1, de 16 de Outubro de 1956.

Uma Quadra

A vida são só dois dias...
(Lá diz o ditado antigo)
Pois a minha é só o tempo,
Que passo a brincar contigo...

Menção Honrosa dos Jogos Florais de Albufeira. Publicada no “Prisma de Cristal”, nº2, de 1 de Novembro de 1956.

O seu último poema publicado no “Prisma de Cristal” aparece no nº 20 [29 de Setembro de 1957], quando tinha 19 anos:

Irrealidade
(para a Bia Rosa)

Dia a dia me encontro
Menos meu menos livre
Dia a dia me procuro
Na ânsia de encontrar-me
Carne e verbo comungando
Vida e morte combatendo
Eu comigo a lutar

Dia a dia menos meu
Dia a dia menos livre
Procurando-me e fugindo
De mim, cheiinho de medo

Dia a dia me procuro
Dia a dia não me encontro
Dia a dia não sou eu
Dia a dia sendo meu

O Primeiro Livro
A produção poética de Casimiro de Brito não se limita às páginas do “Prisma”. Publicou alguns poemas fora da página literária, de que é exemplo o poema “Desprendimento”, que surge na primeira página de «A Voz de Loulé», de 20 de Janeiro de 1957, na qual figura o Prisma de Cristal” nº 7. Em artigo assinado pelo colaborador do “Prisma”, João de Leal, de Faro, ficamos também a saber que Casimiro de Brito edita o seu primeiro livro de poemas, em edição de autor. Na nota publicada em «A Voz de Loulé», de 19 de Janeiro de 1958, Leal refere o livro «Poemas da Solidão Imperfeita», editado em Faro em 1958, que hoje figura como a primeira obra do autor, e que este viria a reeditar na célebre compilação dos seus poemas publicados entre 1955 e 1984, no livro «Ode e Ceia», edição da D. Quixote, de 1985. O que é curioso notar é que Casimiro de Brito, não cedeu à tentação [eventualmente simples e adequada] de utilizar no seu primeiro livro publicado, os poemas que havia editado no “Prisma de Cristal”. O que quer dizer que todos os poemas do autor insertos em «A Voz de Loulé», nunca foram publicados em livro, iniciativa que me parece justa e interessante levar a cabo pelo jornal, com a concordância do autor.
Devo referir que a experiência do “Prisma de Cristal” em «A Voz de Loulé» é completa e inexplicavelmente ignorada por Mário Lyster Franco na sua obra «Algarviana», de 1982 [ver páginas 380-385].
Depois da experiência do “Prisma de Cristal” aí temos, tantas vidas e tantas obras do escritor e poeta louletano Casimiro de Brito, um dos nossos maiores poetas contemporâneos.

[publicado em A Voz de Loulé-a cultura, em 15 de Outubro de 2004]

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