GOLFES E CASAS ILEGAIS NA RIA FORMOSA:UMA CRISE DE CIVILIZAÇÃO NO ALGARVE
Não vos tinha dito que a propalada crise do turismo no Algarve é uma panaceia para um muro de lamentações e pedinchices dos principais interessados: os empresários do turismo e os autarcas responsáveis pela crescente betonização do litoral? Claro que, agora, a conivência de governantes faz parte deste cartel.
Desabafo a propósito de mais um campo de golfe que se anuncia, desta vez para os terrenos cobiçados e classificados do Ludo, ali entre a Praia de Faro e a Quinta do Lago. Ali mesmo a dois passos da casa da vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, o que é apenas coincidência. Uma dupla coincidência. Primeiro porque Valentina Calixto foi durante muito tempo a responsável pela gestão do Ambiente no Algarve e segundo porque a área em causa é classificada por várias normas e directivas. Até está integrada num Parque Natural, veja-se só. Mas como o ICN (Instituto de Conservação da Natureza) não é mais do que um verbo de encher, ou melhor, um verbo vazio de orçamento, de técnicos, de fiscalização ou de outro qualquer sinal de vida, o campo de golfe tem muitas probabilidades de se estender. Sinal de que a seca, os incêndios, a constante salinização das águas, a defesa da fauna selvagem, os estudos científicos sobre a flora, são mesmo para pôr de salga nas marinhas do Ludo. Esqueçam a galinha sultana - que recuperou ali da sua mais que provável extinção nestas paragens -, a garça cinzenta ou a cegonha negra e todas as aves constantes da Directiva de Ramsar. Queixem-se, mais uma vez, da associação Almargem que anda sempre a chatear os autarcas, que por sua vez a acusam despudoradamente de fundamentalista, mas não digam que o turismo está em crise e o Algarve em colapso!
Há dias Vital Moreira, no «Público», mostrava o Algarve da incúria da fiscalização, dos esquecimentos dos governantes, dos compromissos dos autarcas. Nada que os algarvios não conheçam. Como tive oportunidade de dizer, logo após o anúncio das medidas ambientais ligadas à aprovação do POOC (Plano de Ordenamento da Orla Costeira) do perímetro Vilamoura/Vila Real de Santo António, o derrube das casas ilegais no perímetro dunar das ilhas barreira, na Ria Formosa, seria para esquecer alguns meses depois. Isto, porque muitos dos interessados nos “direitos adquiridos” das casas ilegais são ou foram responsáveis de organismos da administração a vários níveis. Aliás, para corroborar esta minha ideia, o actual governador civil, questionado pelo «Jornal de Notícias», veio logo a terreiro afirmar que não se oporia se a sua casa tivesse que ir abaixo. Mas tratou de acrescentar que os seus antecedentes foram sempre cumprindo obrigações legais relativas à implantação da casa. Muitos seguir-lhe-iam o exemplo, claro. Quem é que não segue qualquer governador civil?
Como era de esperar, os fogos aqueceram os matos e por consequência, arrefeceram as casas ilegais da Ria Formosa. O governo esqueceu o Plano e nenhumas medidas se conhecem sobre o derrube das casas ilegais. Por isso o melhor é continuar a construí-las. Para as ver basta percorrer as margens da Ria na Praia de Faro e verificar que todos os dias nascem ou se reconstroem habitações. Na maré vaza, olho-as em aglomerado de madeira, mas quando regresso na maré cheia já é a alvenaria que suporta as águas e os “direitos adquiridos”. Mais rápidas e prolíficas que os cogumelos que lhes deram o mote.
Mas nós é que estamos errados. Nós, que não temos o descaramento de pegar em meia dúzia de tábuas velhas e uma caixa de pregos para armar uma cabana de madeira sobre a duna da Barrinha, só para guardarmos a nossa caninha de pesca. Nós, que parecemos uns parolos, por que queremos o Ludo para passearmos com os nossos filhos, de binóculos em punho, a olhar as cegonhas e os pernalongas junto dos ninhos. Nós, que escrevemos estas coisas em vez de estarmos a preparar as nossas bandeirinhas rosa-laranja para os comícios da rentrée no Pontal ou na Pontinha. Nós, sim, somos uns incivilizados e por isso só nos resta mudar de civilização.
Desabafo a propósito de mais um campo de golfe que se anuncia, desta vez para os terrenos cobiçados e classificados do Ludo, ali entre a Praia de Faro e a Quinta do Lago. Ali mesmo a dois passos da casa da vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, o que é apenas coincidência. Uma dupla coincidência. Primeiro porque Valentina Calixto foi durante muito tempo a responsável pela gestão do Ambiente no Algarve e segundo porque a área em causa é classificada por várias normas e directivas. Até está integrada num Parque Natural, veja-se só. Mas como o ICN (Instituto de Conservação da Natureza) não é mais do que um verbo de encher, ou melhor, um verbo vazio de orçamento, de técnicos, de fiscalização ou de outro qualquer sinal de vida, o campo de golfe tem muitas probabilidades de se estender. Sinal de que a seca, os incêndios, a constante salinização das águas, a defesa da fauna selvagem, os estudos científicos sobre a flora, são mesmo para pôr de salga nas marinhas do Ludo. Esqueçam a galinha sultana - que recuperou ali da sua mais que provável extinção nestas paragens -, a garça cinzenta ou a cegonha negra e todas as aves constantes da Directiva de Ramsar. Queixem-se, mais uma vez, da associação Almargem que anda sempre a chatear os autarcas, que por sua vez a acusam despudoradamente de fundamentalista, mas não digam que o turismo está em crise e o Algarve em colapso!
Há dias Vital Moreira, no «Público», mostrava o Algarve da incúria da fiscalização, dos esquecimentos dos governantes, dos compromissos dos autarcas. Nada que os algarvios não conheçam. Como tive oportunidade de dizer, logo após o anúncio das medidas ambientais ligadas à aprovação do POOC (Plano de Ordenamento da Orla Costeira) do perímetro Vilamoura/Vila Real de Santo António, o derrube das casas ilegais no perímetro dunar das ilhas barreira, na Ria Formosa, seria para esquecer alguns meses depois. Isto, porque muitos dos interessados nos “direitos adquiridos” das casas ilegais são ou foram responsáveis de organismos da administração a vários níveis. Aliás, para corroborar esta minha ideia, o actual governador civil, questionado pelo «Jornal de Notícias», veio logo a terreiro afirmar que não se oporia se a sua casa tivesse que ir abaixo. Mas tratou de acrescentar que os seus antecedentes foram sempre cumprindo obrigações legais relativas à implantação da casa. Muitos seguir-lhe-iam o exemplo, claro. Quem é que não segue qualquer governador civil?
Como era de esperar, os fogos aqueceram os matos e por consequência, arrefeceram as casas ilegais da Ria Formosa. O governo esqueceu o Plano e nenhumas medidas se conhecem sobre o derrube das casas ilegais. Por isso o melhor é continuar a construí-las. Para as ver basta percorrer as margens da Ria na Praia de Faro e verificar que todos os dias nascem ou se reconstroem habitações. Na maré vaza, olho-as em aglomerado de madeira, mas quando regresso na maré cheia já é a alvenaria que suporta as águas e os “direitos adquiridos”. Mais rápidas e prolíficas que os cogumelos que lhes deram o mote.
Mas nós é que estamos errados. Nós, que não temos o descaramento de pegar em meia dúzia de tábuas velhas e uma caixa de pregos para armar uma cabana de madeira sobre a duna da Barrinha, só para guardarmos a nossa caninha de pesca. Nós, que parecemos uns parolos, por que queremos o Ludo para passearmos com os nossos filhos, de binóculos em punho, a olhar as cegonhas e os pernalongas junto dos ninhos. Nós, que escrevemos estas coisas em vez de estarmos a preparar as nossas bandeirinhas rosa-laranja para os comícios da rentrée no Pontal ou na Pontinha. Nós, sim, somos uns incivilizados e por isso só nos resta mudar de civilização.
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[publicado no jornal barlavento de 1 de setembro de 2005]
[publicado no jornal barlavento de 1 de setembro de 2005]