Por uma política multicultural da nacionalidade
Começo por uma afirmação aparentemente peremptória: não houve qualquer “arrastão” na praia de Carcavelos. Este fenómeno, ampliado e manipulado até à exaustão, merece uma análise séria e rigorosa e isso é o que pretendo fazer.
O conceito de “arrastão” decorre do fenómeno localizado no Brasil – sobretudo nas praias do Rio de Janeiro – e, como muitas importações ad-hoc, foi erradamente utilizado nos factos ocorridos em Carcavelos e em Quarteira, no Algarve. O que se passou nestes dois locais, foram meros incidentes praticados por jovens de forma espontânea, desorganizada e sazonal. Espontânea porque motivo do contexto local; desorganizada porque acto de prática adolescente, enquanto mecanismo de afirmação e de status juvenil; e sazonal porque marcada pelo momento liberal de final de aulas. A divulgação dos factos criaram o primeiro disparate: não foram 500, nem 100 jovens que se envolveram nos actos. Os próprios relatórios de polícia, divulgados pelo «Diário de Notícias» desmentem as notícias da imprensa e das televisões, apressados em dar o directo e provavelmente em vender jornais, numa época de folga da bola e de descanso do Parlamento. Hoje, continua a pensar-se que um conjunto de pequenos furtos sucedeu-se em catadupa e que a maior dos jovens - que habitualmente frequentam aquela que é a segunda maior praia da linha do Estoril – foram eles próprios arrastados pelos acontecimentos. Quase todas as declarações de banhistas, comerciantes e policiais são, por isso, lacónicas e desvirtuadas de provas concludentes sobre eventuais práticas criminosas.
Perante as notícias e a frio, vários responsáveis políticos deram o mote da desgraça, do securitarismo e do medo. Capucho (presidente da Câmara de Cascais) apressou-se a reivindicar policiamento – a velha lógica da paranóia securitária de um polícia para cada cidadão – denotando marcas de xenofobia e racismo nas suas declarações. Macário Correia, responsável autárquico com poderes regionais no Algarve, veio preocupar-se com a imagem negativa dos acontecimentos para o turismo. Primeiro o nosso negócio, só depois a solução dos problemas sociais e culturais. Uma verdadeira desumanidade. Uma manipulação dos factos para aduzir uma legitimação política da discriminação dos deserdados, dos trabalhadores, dos periféricos, dos migrantes.
Agora o papel dos media. Responsáveis pela manipulação dos factos até à exaustão, não se deram ao trabalho de confirmar os dados e estimularam o medo, a xenofobia e a discriminação. Não contentes com isso, enxamearam os canais de filmes e notícias assombrosas e assustadoras, ampliando os fenómenos reais e distorcendo as estatísticas dos factos da criminalidade. Hoje, continuam a insistir no erro manipulador de recusar os próprios dados da polícia e dos estudiosos do fenómeno. Ainda ontem [no dia anterior ao que escrevo] se via Conceição Lino, no debate da SicNotícias, literalmente a apanhar papéis, depois de um começo impreparado e sobranceiro na discussão dos problemas sociológicos da delinquência juvenil. Não sei quem lhe encomendou o sermão, mas este papel descaradamente manipulador e ignorante dos media televisivos começa seriamente a preocupar. Felizmente, os convidados (da área das ciências sociais e do direito) souberam desmistificar essa função reverberadora e subliminar da comunicaçãosocial mostrando, até com dados estatísticos, a baixa da criminalidade, sobretudo a juvenil e ainda que essa forma delinquencial é norma de afirmação de identidade perante os grupos de pertença.
Finalmente o problema. Perante os factos, ou de acordo com o fenómeno que ritualiza os mesmos, só temos dois caminhos. O de considerar relevantes apenas as consequências e tornarmo-nos num país permanentemente amedrontado, legitimando a repressão e fechando-nos numa redoma de mente policiada. Ou encararmos de vez as causas do problema, separando aquilo que é ritual e sublimador na violência juvenil – e que pode ou não configurar molduras penais -, daquilo que é resultado da desestruturação da identidade social e comunitária, cada vez mais patente nos bairros degradados e periféricos das grandes cidades. Locais onde, antes de mais, se obriga à prática e legitimação da dependência, da discriminação social, da periferia cultural e da xenofobia. Quem não se sente identificado e integrado não defende valores e não tem comportamentos de vizinhança. Porque a nossa sociedade tem criado guetos de minorias étnicas e culturais, localizados nas periferias territoriais et pour cause nas periferias do poder, obrigando-os a respeitar deveres e a esquecer os seus direitos, de nacionalidade, de pertença, de comunidade, de cultura. Talvez se pudesse começar por alterar a legislação sobre a nacionalidade, uma boa forma de provar que a nossa preocupação é com as causas e não só com as consequências. Uma prova, ainda, de que a marginalização não é uma proposta de política cultural, assumida pelo poder, para se manter imaculado e ariano. Uma vergonha histórica, se assim fosse.
O conceito de “arrastão” decorre do fenómeno localizado no Brasil – sobretudo nas praias do Rio de Janeiro – e, como muitas importações ad-hoc, foi erradamente utilizado nos factos ocorridos em Carcavelos e em Quarteira, no Algarve. O que se passou nestes dois locais, foram meros incidentes praticados por jovens de forma espontânea, desorganizada e sazonal. Espontânea porque motivo do contexto local; desorganizada porque acto de prática adolescente, enquanto mecanismo de afirmação e de status juvenil; e sazonal porque marcada pelo momento liberal de final de aulas. A divulgação dos factos criaram o primeiro disparate: não foram 500, nem 100 jovens que se envolveram nos actos. Os próprios relatórios de polícia, divulgados pelo «Diário de Notícias» desmentem as notícias da imprensa e das televisões, apressados em dar o directo e provavelmente em vender jornais, numa época de folga da bola e de descanso do Parlamento. Hoje, continua a pensar-se que um conjunto de pequenos furtos sucedeu-se em catadupa e que a maior dos jovens - que habitualmente frequentam aquela que é a segunda maior praia da linha do Estoril – foram eles próprios arrastados pelos acontecimentos. Quase todas as declarações de banhistas, comerciantes e policiais são, por isso, lacónicas e desvirtuadas de provas concludentes sobre eventuais práticas criminosas.
Perante as notícias e a frio, vários responsáveis políticos deram o mote da desgraça, do securitarismo e do medo. Capucho (presidente da Câmara de Cascais) apressou-se a reivindicar policiamento – a velha lógica da paranóia securitária de um polícia para cada cidadão – denotando marcas de xenofobia e racismo nas suas declarações. Macário Correia, responsável autárquico com poderes regionais no Algarve, veio preocupar-se com a imagem negativa dos acontecimentos para o turismo. Primeiro o nosso negócio, só depois a solução dos problemas sociais e culturais. Uma verdadeira desumanidade. Uma manipulação dos factos para aduzir uma legitimação política da discriminação dos deserdados, dos trabalhadores, dos periféricos, dos migrantes.
Agora o papel dos media. Responsáveis pela manipulação dos factos até à exaustão, não se deram ao trabalho de confirmar os dados e estimularam o medo, a xenofobia e a discriminação. Não contentes com isso, enxamearam os canais de filmes e notícias assombrosas e assustadoras, ampliando os fenómenos reais e distorcendo as estatísticas dos factos da criminalidade. Hoje, continuam a insistir no erro manipulador de recusar os próprios dados da polícia e dos estudiosos do fenómeno. Ainda ontem [no dia anterior ao que escrevo] se via Conceição Lino, no debate da SicNotícias, literalmente a apanhar papéis, depois de um começo impreparado e sobranceiro na discussão dos problemas sociológicos da delinquência juvenil. Não sei quem lhe encomendou o sermão, mas este papel descaradamente manipulador e ignorante dos media televisivos começa seriamente a preocupar. Felizmente, os convidados (da área das ciências sociais e do direito) souberam desmistificar essa função reverberadora e subliminar da comunicaçãosocial mostrando, até com dados estatísticos, a baixa da criminalidade, sobretudo a juvenil e ainda que essa forma delinquencial é norma de afirmação de identidade perante os grupos de pertença.
Finalmente o problema. Perante os factos, ou de acordo com o fenómeno que ritualiza os mesmos, só temos dois caminhos. O de considerar relevantes apenas as consequências e tornarmo-nos num país permanentemente amedrontado, legitimando a repressão e fechando-nos numa redoma de mente policiada. Ou encararmos de vez as causas do problema, separando aquilo que é ritual e sublimador na violência juvenil – e que pode ou não configurar molduras penais -, daquilo que é resultado da desestruturação da identidade social e comunitária, cada vez mais patente nos bairros degradados e periféricos das grandes cidades. Locais onde, antes de mais, se obriga à prática e legitimação da dependência, da discriminação social, da periferia cultural e da xenofobia. Quem não se sente identificado e integrado não defende valores e não tem comportamentos de vizinhança. Porque a nossa sociedade tem criado guetos de minorias étnicas e culturais, localizados nas periferias territoriais et pour cause nas periferias do poder, obrigando-os a respeitar deveres e a esquecer os seus direitos, de nacionalidade, de pertença, de comunidade, de cultura. Talvez se pudesse começar por alterar a legislação sobre a nacionalidade, uma boa forma de provar que a nossa preocupação é com as causas e não só com as consequências. Uma prova, ainda, de que a marginalização não é uma proposta de política cultural, assumida pelo poder, para se manter imaculado e ariano. Uma vergonha histórica, se assim fosse.
[minha coluna em «A Voz de Loulé» de 1 de Julho 05]