Vieira: um perfil de ética humanista

A propósito das comemorações do centenário do nascimento de José Cavaco Vieira, ilustre cidadão altense, ocorreu-me pensar no também ilustre poeta que abriu caminho àqueles que por obras valorosas se foram da lei da morte libertando. Talvez porque Vieira tenha percorrido todo o século XX, vivendo diversos contextos sociais e políticos, sempre, mas sempre, com um valor intrínseco e elevado: fazer o bem!
A sua vida pautou-se por uma multifacetada diversidade histórica, equilibrando diversas dimensões humanas: em primeiro lugar uma dimensão humanista; em segundo lugar uma dimensão comunitária; em terceiro lugar uma dimensão artística eclética; e finalmente, em quarto lugar uma dimensão ecológica e histórica. Iremos ver, de seguida, como contribuiu para este perfil de complexidade.
Durante o Estado Novo soube, de forma inteligente, acompanhar as suas obrigações políticas e ideológicas, com uma luta ténue, mas progressiva, em defesa das necessidades do povo da sua aldeia, que sempre amou. Quando no final dos anos 30, o governo de então lançou o programa da recuperação dos valores etnográficos nacionais, como forma de tornear os verdadeiros problemas sociais do país, ele viu muito mais longe. Foi ainda mais inteligente, e encarou a cultura tradicional, a música, a dança, a literatura oral, como um trampolim para a defesa da verdadeira identidade cultural local. E mais ainda, como uma forma educativa de participação social e empenhamento colectivo do povo e dos jovens da sua terra.
Mas, em tudo, Vieira não se limitou a ser um intelectual distante, um sábio que da sua varanda debita ocas sapiências. Ele impregnou, tudo o que fazia, de exemplo educado e sabedor: cantou serenatas às raparigas, encarnou as personagens do teatro popular de Alte, dedilhou violas e violinos, rodopiou como ninguém nas tábuas de muitos palcos do país, escreveu a melhor prosa sobre os campos e os problemas do interior louletano… Tudo fez com um sentido educativo e deu os melhores contributos de cidadania, para as marcas que, hoje, Alte ostenta.
Até nas coisas mais simples da vida, ele foi sabedor. Respeitava a natureza, as árvores do seu quintal e as coloridas plantas da sua aldeia. Todos os dias passeava junto à ribeira para ver se ela se mantinha livre e vívica como ele gostaria. Cozia a sua fruta e tocava sempre o seu violino antes de dormir, lembrando a sua esposa.
Alguém lhe chamou o patriarca de Alte. Ele foi patriarca e matriarca, símbolo vivo e emblema, como lhe chamaram diversos amigos e concidadãos. Ele foi alma e coração de Alte. Todos o ouviam com prazer e escutavam as suas palavras sabedoras e profundas sobre a vida.
Mesmo depois de deixar de exercer as suas tarefas profissionais e lúdicas, Vieira continuou a ser o principal obreiro das vidas da sua aldeia.
E é por tudo isto que, este ano, comemoramos o centenário do seu nascimento, tornando perenes, através de diversas iniciativas públicas, as várias dimensões da sua vida.
[coluna publicada em «A Voz de Loulé» de 1Maio.03]

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