O regresso da política aos campos

Ao ler o “Expresso” de 20 de Dezembro e o “Diário de Notícias” de 22 do mesmo mês, atentei na notícia da inauguração de uma biblioteca em Celorico de Basto, no distrito de Braga, a qual adoptou a designação Biblioteca Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa. Esta notícia trouxe-me à memória outras iniciativas, que têm povoado o interior do país - esquecido das políticas centralizadoras de desenvolvimento – de nomes sonantes da política, das artes e das letras.
Por um lado, mostra que a nossa ancestralidade comum – dos que vivem nas cidades e dos que vivem nos campos - tem origem nos territórios agrários, dos tempos das economias agro-pastoris, antes do abandono da agricultura, do fenómeno da desertificação populacional e ecológica, do envelhecimento dos campos e da macrocefalia política, económica e demográfica. Por outro lado, mostra que a forma que a nomenclatura política encontra para colmatar e resolver estes males, são o regresso das marcas do poder central, ao campo: nomes, dádivas, o regresso de diversos responsáveis políticos às vilas e cidades do interior. A este propósito podemos verificar que, hoje, as principais autarquias do país são presididas por antigos governantes e deputados. Será a preocupação com o desenvolvimento das terras periféricas? Ou ainda um fenómeno incipiente de descentralização ou desconcentração dos poderes centrais? Ou então uma forma sui generis de promover a regionalização? A mim, faz-me sempre lembrar aquela excelente forma como alguém caracterizou um artista do interior rural: em Lisboa é um exótico aceite, pela intelectualidade, como uma figura folclórica e ruralista, prenhe de saber popular e graça brejeira; na sua terra é sempre um lisboeta, sabedor, venerado, um doutor.
No fim de contas este complexo fenómeno encerra uma simples verdade: o poder central, ao mesmo tempo que solidifica cada vez mais os seus poderes longe dos cidadãos, estende as suas raízes de cultura política de forma a reproduzir os seus valores e poderes nas periferias, assim cada vez mais afastadas do poder.
[publicado em «A Voz de Loulé» de 1Jan.2004]

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