O QUE SE ESCONDE ATRÁS DO HINO DO ALGARVE?
Parece que vamos ter um hino no Algarve. Macário Correia, presidente da Câmara de Tavira e da Grande Área Metropolitana do Algarve, achou que os hinos estão na moda, nos congressos e nas campanhas. Vai daí, não quer ficar atrás da história, abre os cordões à bolsa e resolve lançar um concurso de 2500 euros para a criação de um hino que tenha a palavra Algarve no refrão. O argumento são os valores regionalistas e a imagem de marca cultural do Algarve. Mas apreciemos a coisa. Para justificar a descoberta o autarca lança umas ideias peregrinas sobre o Algarve. A ele parece-lhe que a história do território já está fechada. Depois dos califados muçulmanos passamos a província e depois a distrito. Tempo de ter um hino do distrito. Engraçado que os árabes, que passeavam a sua criatividade musical e artística entre Silves e Córdoba, nunca se tenham lembrado disso. Preferiam a sua veia intercultural, cantando as belezas do mediterrâneo, que afaga o sul da península e todo o Magrebe. Nem mesmo os nossos poetas líricos -- que tanto cantaram o Algarve -- , João Lúcio, Cândido Guerreiro, Emiliano ou Bernardo de Passos tiveram tão subtil ideia. Os seus poemas falavam das terras miscigenadas de lusos e árabes, judiarias e mourarias, olhando sempre o sul, essa terra caiada de branco e azul marinho que nunca se confinou verdadeiramente aos limites do Algarve. Mas Macário tem mais argumentos: o político (ou será o engenheiro?) considera que o Algarve constitui “uma unidade histórico-cultural”. Em tempo de diversidade biológica e cultural este argumento é tão redutor como dizer que Faro é a capital nacional da cultura. Mas desde quando é que os traços que delimitam administrativamente o distrito determinam a sua unidade? Não há qualquer identificação social, económica ou cultural entre as gentes do litoral, do barrocal e da serra. Qualquer estudante sabe isso. E sabe também que mesmo a memória cultural consagrou a expressão “Vou lá abaixo ao Algarve”, para designar a ida dos habitantes da serra algarvia ao chamado baixo Algarve. Para elas esse é o verdadeiro Algarve, o das cidades que sempre decidiram e impuseram o seu poderio sobre os serrenhos. As identidades constroem-se pelas partilhas sociais e culturais.