3 Poemas publicados



3 POEMAS

(Publicados na revista Máquina do Mundo, hoje desativada)



A MINHA VARANDA

A minha varanda olha o Monte da Piedade,
uma bruma diáfana que escurece o verde claro das folhas
das árvores que semeiam os socalcos de xistos amarelecidos.
As ovelhas, essas balem sobre os últimos pastos
ressequidos dos humores do Verão que terminou,
levantando sob as suas negras patas, os aromas do tomilho,
os cheiros dos polens das abelhas e dos figos maduros.
Os melros procuram o fresco da ribeira e esvoaçam
entre amendoeiras, oliveiras e canaviais, no leito seco.
À noite, os grilos e os ralos sobrepõem o seu canto, ritmado
ao barulho dos automóveis, num vulgar destino sobre rodas,
acompanhando a aragem fresca sobre as copas das árvores.
No céu, as estrelas brilham no azul de Outono, lembrando o caminho
que o homem percorreu dentro de si, sobre uma branca folha de papel.


SILVES

Olho o que resta do rio,
ao fundo do vale,
correndo entre os canaviais que o escondem,
como se fosse um encantamento de sede.
E recordo
as belas palavras do poeta árabe Ibn‘Ammar,
fazendo deslizar, suavemente, os seus poemas
entre o castelo, a praça e o rio Arade.
Breve instante,
a miríade gasosa de acidez da laranja baía,
convoca-me os dedos e os lábios para o seu amargo sabor doce,
entre as argilas barrentas do rio, as enguias caracoleantes e os rouxinóis.
Que saudades, de subir as íngremes histórias da cidade,
sentindo a frescura dos laranjais e as vozes dos poetas de Silves.


A RIA FORMOSA

Na tarde, notavam-se as ausências no lago.
Onde estavam os flamingos rosa,
dormindo o dia nos aquilinos bicos?
E as correrias dos velhos galeirões,
mostrando quão perene é o nosso tempo?
Patos reais, porfírios azuis, nem as garças brancas
denunciam a vida, junto das sapeiras e das dunas,
nas águas salobras.
Talvez um apelo longínquo das gaivotas,
atentas ao desenrolar das estações,
ou o incómodo da primavera dos homens,
sempre dispostos a perturbar a serenidade
dos belos mundos
que desconhece.


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